domingo, 30 de outubro de 2011

Mudanças

Meu momento de auto conhecimento me inspira, e cada vez mais eu me sinto em sincronia com o vento.
As diferentes faces que a vida pode ter, fascinam, e eu tenho fome de saber o que pode me acontecer, toda vez que eu abro os olhos de manhã e tenho um sorriso misterioso tomando conta de mim.
Eu mudo, tu mudas, nós mudamos.
Como passei a gostar de tudo isso!
Meu ano decidiu ser conturbado e eu já não quero mais ir contra a maré.
Aceito a mudança em mim como aceito que a chuva lá fora me molhe.
Mudanças, sejam bem vindas!

sábado, 29 de outubro de 2011

O silêncio que sai do som da chuva espalha-se, num crescendo de monotonia cinzenta, pela rua estreita que fito. Estou dormindo desperto, de pé contra a vidraça, a que me encosto como a tudo. Procuro em mim que sensações são as que tenho perante este cair esfiado de água sombriamente luminosa que [se] destaca das fachadas sujas e, ainda mais, das janelas abertas. E não sei o que sinto, não sei o que quero sentir, não sei o que penso nem o que sou.

Toda a amargura retardada da minha vida despe, aos meus olhos sem sensação, o traje de alegria natural de que usa nos acasos prolongados de todos os dias. Verifico que, tantas vezes alegre, tantas vezes contente, estou sempre triste. E o que em mim verifica isto está por detrás de mim, como que se debruça sobre o meu encostado à janela, e, por sobre os meus ombros, ou até a minha cabeça, fita, com olhos mais íntimos que os meus, a chuva lenta, um pouco ondulada já, que filigrana de movimento o ar pardo e mau.

Abandonar todos os deveres, ainda os que nos não exigem, repudiar todos os lares, ainda os que não foram nossos, viver do impreciso e do vestígio, entre grandes púrpuras de loucura, e rendas falsas de majestades sonhadas… Ser qualquer coisa que não sinta o pesar de chuva externa, nem a mágoa da vacuidade íntima… Errar sem alma nem pensamento, sensação sem si-mesma, por estrada contornando montanhas, por vales sumidos entre encostas íngremes, longínquo, imerso e fatal…

Perder-se entre paisagens como quadros. Não-ser a longe e cores…

Um sopro leve de vento, que por detrás da janela não sinto, rasga em desnivelamentos aéreos a queda retilínea da chuva. Clareia qualquer parte do céu que não vejo. Noto-o porque, por detrás dos vidros meio-limpos da janela fronteira, já vejo vagamente o calendário na parede lá dentro, que até agora não via.

Esqueço. Não vejo, sem pensar.

Cessa a chuva, e dela fica, um momento, uma poalha de diamantes mínimos, como se, no alto, qualquer coisa como uma grande toalha se sacudisse azulmente dessas migalhinhas. Sente-se que parte do céu está já aberta. Vê-se, através da janela fronteira, o calendário mais nitidamente. Tem uma cara de mulher, e o resto é fácil porque o reconheço, e a pasta dentífrica é a mais conhecida de todas.

Mas em que pensava eu antes de me perder a ver? Não sei. Vontade? Esforço? Vida? Com um grande avanço de luz sente-se que o céu é já quase todo azul. Mas não há sossego — ah, nem o haverá nunca! — no fundo do meu coração, poço velho ao fim da quinta vendida, memória de infância fechada a pó no sótão da casa alheia. Não há sossego — e, ai de mim!, nem sequer há desejo de o ter.

(Fernando Pessoa)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Perca-se

Eu, que fui sempre confusa, me deparei com o certo.
Eu, que mergulhava em dúvidas, obtive respostas.
Eu, que finalmente me encontrei, acabei por perder o que me encontrou.
Que, por ironia do destino, se perdeu de mim e nunca mais voltou.
E, por não saber mais o que fazer,
eu, hoje, desejo de novo me perder.